O jogo se aproximava do fim quando Arrascaeta acertou o belo chute que definiu o clássico. Em seguida, ainda houve tempo para os vascaínos reclamarem um pênalti que, à primeira vista, pareceu nítido, mas depois saberíamos que não aconteceu. Os dois lances garantiram doses de dramaticidade ao desfecho do jogo no Nílton Santos. No mais, vencedores e vencidos tiveram razões para sair de campo com preocupações.
É verdade que o Vasco de Zé Ricardo apresentou um consistente plano defensivo. Quando os alas do Flamengo ocupavam campo ofensivo, Pec retornava pela direita e Riquelme, escalado na linha de meias, fazia o mesmo pela esquerda. Em diversos momentos, formavam uma linha de seis defensores. Em passagens do jogo, Getúlio, substituto de Raniel, chegou a formar com Juninho e Zé Gabriel um trio no meio-campo no momento defensivo, para Nenê ter menos obrigações sem bola. A resistência vascaína deixava o Flamengo desconfortável. Um mérito de Zé Ricardo, dadas as limitações de seus recursos.
No entanto, o time apresentava pouco na hora que recuperava a bola, quase como um efeito colateral. Teve um pouco mais de respiro em parte do primeiro tempo, quando uma cabeçada exigiu grande defesa de Hugo. No segundo tempo, as aparições no campo ofensivo eram bem mais raras, exceção feita à arrancada de Gabriel Pec para marcar o que, àquela altura, era o gol de empate. No lance, Juninho mostrou que é, em 2022, o melhor dos volantes do elenco. Já a arrancada para o gol só poderia ser de Pec, a única alternativa de velocidade no elenco. Não era fácil para o Vasco ter escape de contragolpe, seja pela carência de jogadores com esta característica, seja porque seus homens de lado marcavam muito atrás, tendo metros demais para correr após o time recuperar a bola.
Não é anormal o Vasco, neste momento de sua história, tentar resistir num confronto com o Flamengo. Mas o preço era sacrificar demais as ambições ofensivas. E o principal: mesmo para seus objetivos imediatos, o jogo deixou um sinal preocupante quando Zé Ricardo precisou usar o banco. É difícil imaginar os substitutos, Raniel à parte, mudando o cenário.
Já o Flamengo ganhou o jogo com seu pior desempenho de 2022. Paulo Sousa teve o mérito de ousar até conseguir o gol decisivo, a ponto de terminar o jogo com dois laterais de ofício e apenas um zagueiro nato formando a linha de três homens na saída de bola. À frente deles, os “volantes” eram João Gomes e Arrascaeta, com cinco jogadores ofensivos na frente. Quase uma reinversão da pirâmide nos minutos finais.
Mas desenhos à parte, o funcionamento do time não foi bom. Enquanto a pressão ofensiva permitiu recuperar rapidamente a bola, o Flamengo se instalou no campo de ataque, mas a criação de chances não correspondia ao volume. Éverton Ribeiro segue desconfortável na ala esquerda e a opção por Bruno Henrique como um centroavante nem soava algo tão heterodoxo. Mas a sincronia de movimentos com Gabigol e Arrascaeta, que vinham por trás, não resultava em infiltrações na defesa rival. E aí também há méritos do Vasco.
Conforme o Flamengo perdeu efetividade na capacidade de recuperar a bola na frente, surgiu outro problema crônico: a recomposição pelo lado direito de sua defesa. Foi por onde o Vasco teve algum escape. Em tese, seria Gabigol o homem a fazer a marcação por ali, mas não parece natural para ele. Por vezes, Arrascaeta preenchia o meio e Willian Arão ocupava o espaço pela direita. Ainda assim, a coordenação por vezes falhou. A questão é que Paulo Sousa vem tentando adaptar jogadores ao desenho habitual de suas equipes, e não adaptar sistema aos atletas. Pode dar certo, o Flamengo jogou realmente mal pela primeira vez em 2022. Mas ainda há jogadores aparentando desconforto nesta etapa do trabalho.
No segundo tempo, João Gomes reforçou a impressão de que vem produzindo mais do que Andreas. Mas o volume rubro-negro continuou maior do que a criatividade, o que não foi resolvido com a entrada de Pedro e de Marinho, este último ainda distante de se adaptar ao time. Ainda assim, a quantidade de jogadores pressionando a linha defensiva do Vasco permitiu o espaço para Arrascaeta chutar a bola que decidiu um clássico em que nenhum dos lados foi brilhante.